Podridão dos monopólios <br>e promoção capitalista da fome

Jorge Messias

«A agri­cul­tura da sub­sis­tência foi pi­lhada pelos países cen­trais. A fome no mundo não é um pro­blema li­mi­tado que possa ser re­sol­vido pela in­ter­venção ca­ri­ta­tiva do Oci­dente no con­trolo dos preços ou no au­mento da pro­dução em­ba­lado pela fi­lan­tropia dos ricos. A questão só se re­sol­verá com uma Re­forma Agrária que de­volva aos países ne­o­co­lo­ni­zados a so­be­rania ali­mentar» (Ana Ra­jado e Re­nato Guedes, Re­vista “Rubra”, Nº. 2).

 

«Foram ne­ces­sá­rias as mentes bri­lhantes da Goldman Sachs para se per­ceber a sim­ples ver­dade de que nada é mais va­li­osos que o nosso ali­mento diário. E onde há valor, é pos­sível fazer-se di­nheiro… Pela pri­meira vez, em 1991, a Goldman lançou um novo pro­duto de 24 ma­té­rias brutas, como me­tais pre­ci­osos, energia, café, cacau, milho, soja, trigo, me­ta­lurgia, etc., fun­didas numa só oferta fi­nan­ceira… Os ban­queiros re­co­nhe­ceram tratar-se de uma boa pro­posta. Gi­gan­tescos grupos como o Bar­klays, o Deutsch Bank, o Pimco, o J.P. Morgan e muitos ou­tros ade­riram ime­di­a­ta­mente às cha­madas com­mo­di­ties» (F. Kaufman, “Como a Goldman Sachs criou a Crise Ali­mentar”, Agosto 2011).

 

«Em Por­tugal, está em es­tudo um pro­jecto agro­a­li­mentar para ga­rantir a es­ta­bi­li­dade do for­ne­ci­mento dos su­per­mer­cados...» (Ana Se­rafim, “Je­ró­nimo Mar­tins quer agri­cul­tura em Por­tugal”, o Sol, De­zembro 2013).

 

 

No quadro global do ne­o­ca­pi­ta­lismo, o agro­ne­gócio vai muito além dos ins­tru­mentos de ex­plo­ração e de gran­deza que ca­rac­te­ri­zavam o velho la­ti­fúndio. Cons­titui uma rede ac­tiva da ins­ta­lação do im­pe­ri­a­lismo dos mo­no­pó­lios e in­tegra não apenas a posse da terra, a agri­cul­tura, o do­mínio dos mer­cados agrá­rios, etc., mas também sec­tores al­ta­mente im­por­tantes da in­dús­tria trans­for­ma­dora, das fi­nanças, da pesca e da ex­plo­ração cos­teira, da me­ta­lurgia naval e fer­ro­viária, dos trans­portes ou das ou­tras áreas, cada vez mais ex­tensas e di­ver­si­fi­cadas, que vai ocu­pando. O ver­da­deiro sen­tido do agro­ne­gócio deve en­tender-se como con­quista de um poder ili­mi­tado por parte de ca­madas so­ciais pri­vi­le­gi­adas. Na­tu­ral­mente, que à custa do alas­tra­mento da fome e da mi­séria entre o povo comum.

É nesta via que as coisas pa­recem ca­mi­nhar em Por­tugal. Uni­dade, mesmo que im­posta, entre as elites ex­plo­ra­doras. Men­ta­li­zação po­pular da in­ca­pa­ci­dade de re­sis­tência à ex­plo­ração. Tác­ticas e es­tra­té­gias evi­dentes que exigem, entre ou­tras com­po­nentes, a par­ti­ci­pação ac­tiva da hi­e­rar­quia ca­tó­lica na con­so­li­dação do ne­o­ca­pi­ta­lismo. Os factos falam por si.

Por en­quanto, nin­guém ousa de­fender na Igreja (tal como já o fazem sec­tores im­por­tantes do grande ca­pital) a ex­plo­ração dos po­bres e os pri­vi­lé­gios dos ricos como fac­tores de um fu­turo bem-estar so­cial. No en­tanto, o si­lêncio de chumbo da hi­e­rar­quia sobre ques­tões como a de­si­gual dis­tri­buição da ri­queza ou a po­dridão moral das ins­ti­tui­ções ca­pi­ta­listas, é por si só bas­tante para con­firmar o que de pior vai trans­pa­re­cendo no mundo ca­tó­lico. Não é só o IOR que en­gorda com a pau­pe­ri­zação dos que já são po­bres, com os sa­lá­rios de mi­séria, com o de­sem­prego ou com as fi­lan­tro­pias mul­ti­mi­li­o­ná­rias. Na prá­tica, tanto o Va­ti­cano como as suas es­tru­turas mun­diais pra­ticam o ne­o­ca­pi­ta­lismo. Par­ti­cipam nas di­ta­duras de mer­cado e fingem re­formar o apa­relho da Igreja, quando o que re­al­mente fazem é tec­no­cra­tizar as suas ve­lhas fer­ra­mentas ca­pi­ta­listas. O agro­ne­gócio cons­titui, no ac­tual es­tado de coisas mun­dial, um exemplo iso­lado de entre vá­rios ou­tros igual­mente mar­cantes que visam re­vi­ta­lizar o velho sonho da Mo­nar­quia Uni­versal: el-rei ci­frão com a teara como Chan­celer vi­ta­lício.

A traição não deve com­pensar quem a pra­tica. So­bre­tudo quando, de­li­be­ra­da­mente, car­rega os ci­da­dãos com «um jugo de­si­gual». É par­ti­cu­lar­mente re­pe­lente quando tenta con­verter a fome em ma­nan­cial de ines­go­tá­veis lu­cros.




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