Podridão dos monopólios <br>e promoção capitalista da fome
«A agricultura da subsistência foi pilhada pelos países centrais. A fome no mundo não é um problema limitado que possa ser resolvido pela intervenção caritativa do Ocidente no controlo dos preços ou no aumento da produção embalado pela filantropia dos ricos. A questão só se resolverá com uma Reforma Agrária que devolva aos países neocolonizados a soberania alimentar» (Ana Rajado e Renato Guedes, Revista “Rubra”, Nº. 2).
«Foram necessárias as mentes brilhantes da Goldman Sachs para se perceber a simples verdade de que nada é mais valiosos que o nosso alimento diário. E onde há valor, é possível fazer-se dinheiro… Pela primeira vez, em 1991, a Goldman lançou um novo produto de 24 matérias brutas, como metais preciosos, energia, café, cacau, milho, soja, trigo, metalurgia, etc., fundidas numa só oferta financeira… Os banqueiros reconheceram tratar-se de uma boa proposta. Gigantescos grupos como o Barklays, o Deutsch Bank, o Pimco, o J.P. Morgan e muitos outros aderiram imediatamente às chamadas commodities» (F. Kaufman, “Como a Goldman Sachs criou a Crise Alimentar”, Agosto 2011).
«Em Portugal, está em estudo um projecto agroalimentar para garantir a estabilidade do fornecimento dos supermercados...» (Ana Serafim, “Jerónimo Martins quer agricultura em Portugal”, o Sol, Dezembro 2013).
No quadro global do neocapitalismo, o agronegócio vai muito além dos instrumentos de exploração e de grandeza que caracterizavam o velho latifúndio. Constitui uma rede activa da instalação do imperialismo dos monopólios e integra não apenas a posse da terra, a agricultura, o domínio dos mercados agrários, etc., mas também sectores altamente importantes da indústria transformadora, das finanças, da pesca e da exploração costeira, da metalurgia naval e ferroviária, dos transportes ou das outras áreas, cada vez mais extensas e diversificadas, que vai ocupando. O verdadeiro sentido do agronegócio deve entender-se como conquista de um poder ilimitado por parte de camadas sociais privilegiadas. Naturalmente, que à custa do alastramento da fome e da miséria entre o povo comum.
É nesta via que as coisas parecem caminhar em Portugal. Unidade, mesmo que imposta, entre as elites exploradoras. Mentalização popular da incapacidade de resistência à exploração. Tácticas e estratégias evidentes que exigem, entre outras componentes, a participação activa da hierarquia católica na consolidação do neocapitalismo. Os factos falam por si.
Por enquanto, ninguém ousa defender na Igreja (tal como já o fazem sectores importantes do grande capital) a exploração dos pobres e os privilégios dos ricos como factores de um futuro bem-estar social. No entanto, o silêncio de chumbo da hierarquia sobre questões como a desigual distribuição da riqueza ou a podridão moral das instituições capitalistas, é por si só bastante para confirmar o que de pior vai transparecendo no mundo católico. Não é só o IOR que engorda com a pauperização dos que já são pobres, com os salários de miséria, com o desemprego ou com as filantropias multimilionárias. Na prática, tanto o Vaticano como as suas estruturas mundiais praticam o neocapitalismo. Participam nas ditaduras de mercado e fingem reformar o aparelho da Igreja, quando o que realmente fazem é tecnocratizar as suas velhas ferramentas capitalistas. O agronegócio constitui, no actual estado de coisas mundial, um exemplo isolado de entre vários outros igualmente marcantes que visam revitalizar o velho sonho da Monarquia Universal: el-rei cifrão com a teara como Chanceler vitalício.
A traição não deve compensar quem a pratica. Sobretudo quando, deliberadamente, carrega os cidadãos com «um jugo desigual». É particularmente repelente quando tenta converter a fome em manancial de inesgotáveis lucros.